ENTREVISTA DO DR DRAUZIO VARELA SOBRE RONCO E APNÉIA.
Dr. Maurício Bagnato é médico pneumologista,
trabalha no Laboratório do Sono da Universidade Federal de São Paulo
e no
Laboratório do Sono do Hospital Sírio-Libanês.
Ronco
O ronco é considerado um evento normal do sono a menos que o ruído seja tão alto a ponto de incomodar não só quem dorme no mesmo quarto, mas as pessoas da casa e até os moradores da vizinhança.
Nesse caso, o problema maior do ronco não é o desconforto que provoca nos outros. É a possibilidade de ocorrerem interrupções na respiração que podem ter como conseqüência quadros mais graves de sobrecarga cardiopulmonar, sonolência durante o dia, baixo rendimento intelectual e no trabalho, cansaço e irritabilidade persistente.
Ronco normal e ronco patológico
Drauzio – Todas as pessoas roncam?
Bagnato – Na verdade, muitas pessoas roncam. O ronco real e patológico, porém, é restrito a uma faixa da população. Existem pessoas que ressonam à noite, principalmente se estiverem deitadas em decúbito dorsal, isto é, de barriga para cima, porque a língua cai um pouquinho para trás e a tendência é gerar um leve ruído.O ronco patológico caracteriza-se por grandes vibrações e ruído intenso e não apenas pelo ressonar. O grande roncador precisa ser estudado para avaliar a possibilidade de ter outra patologia associada.
Drauzio – A diferença entre ressonar e roncar está apenas na intensidade do som? O mecanismo envolvido é o mesmo?
Bagnato – O mecanismo é o mesmo, mas existem algumas síndromes que são particularidades de pessoas com problemas respiratórios noturnos. O ronco pode ser sinal de que esses problemas podem estão se instalando.
Principais causas do ronco
Drauzio – Por que as pessoas roncam?
Bagnato – É fácil de entender. Imagine um tubo que se estreite e pelo qual o ar tenha de passar para ser expirado. Segundo as propriedades físicas dos fluidos, ocorre um turbilhonamento quando o ar percorre esse tubo. O ronco é o efeito sonoro dessa vibração causada pelo afunilamento por que passa a coluna de ar na faringe.
Drauzio – A imagem reproduz uma face cortada ao meio. Nela, pode-se ver o ar entrando pelas narinas e sendo aquecido no interior dos seios da face, e entrando pela boca. O volume que entra pela boca é menor do que o que entra pelas narinas como está representado nessa figura?
Bagnato – É menor. A natureza projetou o ser humano para respirar pelo nariz. A respiração bucal é errônea em qualquer fase da vida. Apenas uma fração muito pequena de ar pode ser inalada pela boca. O nariz não existe à toa. Foi projetado para filtrar, esquentar e umedecer o ar para que passe pela faringe, traquéia, brônquios e chegue aos pulmões numa temperatura adequada.
Drauzio – Onde se forma o ronco?
Bagnato – O ronco se forma bem atrás da base da língua. Essa é a região crítica. No entanto, em pessoas com problema nasal importante, como o nariz semi-obstruído, o ronco mais alto pode ocorrer em outras áreas.
Drauzio – Quer dizer que o ronco se forma na região constituída pela base da língua e parte superior da faringe?
Bagnato – A anatomia dessa região crítica pode ser modificada por muitos fatores. Pelo menos dez deles estão relacionados à redução do calibre do segmento da faringe na base da língua. Convém dizer que essa estrutura não tem esqueleto ósseo, é flácida e maleável. Nessa região, também se localizam as amídalas, que nada mais são do que conglomerados de tecido linfóide. Elas são maiores nas crianças de 9 a 11 anos. Depois, tendem a diminuir, mas isso leva bastante tempo e há adultos com amídalas grandes. Amídalas hipertrofiadas atrapalham a respiração.
Drauzio – Crianças com amídalas grandes roncam?
Bagnato – Não só roncam como muitas delas acabam apresentando episódios de apnéia edificuldade de oxigenação do sangue.
Apnéia
Drauzio – O que é apnéia?
Bagnato – Apnéia é uma parada respiratória provocada pelo fechamento da faringe que ocorre principalmente enquanto a pessoa está dormindo e roncando. Existe uma polêmica na literatura a respeito do assunto. A pessoa normal pode ressonar um pouquinho. Há o paciente que ronca muito por causa da força que faz para o ar passar pelo tubo faríngeo de calibre reduzido e há a doença em estágio avançado na qual ocorre o colabamento das paredes da faringe, provocando a obstrução total desse tubo: a apnéia.
Drauzio – Quanto tempo costuma durar a apnéia?
Bagnato – No adulto, considera-se apnéia após 10 segundos de parada respiratória. Como a criança tem uma reserva menor, às vezes, depois de dois ou três segundos, o sangue já se empobrece de oxigênio. Aí está o problema. Nós fomos desenhados pela natureza para oxigenar o sangue ente 90 e 100 de saturação. Em apnéia, oxigenamos menos o sangue e isso tem conseqüências sérias a longo prazo. Portanto, o ronco pode ser um sinal de alerta importante.É claro que, durante a apnéia, o paciente pára de roncar, porque bloqueia a passagem do ar. Não é raro a esposa notar que, embora o marido esteja roncando menos, parece que não respira direito durante o sono e anda sonolento de dia. Nesses casos, o quadro está mais grave do que aparenta e o paciente pior de saúde apesar de o ronco ter diminuído enquanto ele dorme.
Fatores agravantes
Drauzio – Vamos fazer um resumo do que você disse porque é uma informação de grande importância. É considerado normal o ronco discreto, um ressonar suave, principalmente quando a pessoa dorme de barriga para cima, pois a língua cai um pouco para trás. O ronco ruidoso mostra que a passagem está ligeiramente fechada e o ar entra em reverberação. Quando a parede dessa passagem colaba, a pessoa pára de respirar e apresenta a apnéia do sono. O que leva a tudo isso?
Bagnato – Alguns fatores contribuem para o aparecimento do ronco: amídalas e adenóides muito grandes, tumores, desvio de septo, hipertrofia dos cornetos, pólipos nasais, etc. Diversas patologias provocam a obstrução crônica do nariz e a pessoa respira pela boca. Mesmo obstruções menores podem obrigá-la a respirar por essa via alternada, o que sempre representa alternativa ruim. De maneira geral, dormir de lado favorece a respiração nasal. Quando o indivíduo deita de barriga para cima, a tendência é abrir um pouco a cavidade oral e a mandíbula desloca-se para baixo e para trás, pressionando a faringe, e a língua cai de lado. Isso facilita a ocorrência do ronco. Algumas pessoas têm, ainda, o queixo projetado um pouco para trás, o que faz recuar também a base da língua. Vamos supor, então, um paciente que tenha o costume de dormir de barriga para cima e com a boca aberta porque tem algum problema no nariz e o queixo um pouco projetado para trás. Como existe sinergismo entre esses fatores, a soma dos três é igual a quatro porque eles se potencializam entre si e o paciente apresenta tendência maior ao estreitamento da faringe.
Drauzio – Existem outros fatores que devam ser mencionados?
Bagnato – O álcool, por exemplo, tem a propriedade de relaxar o músculo da faringe. Medicamentos à base de diazepínicos também relaxam a musculatura. Daí, o paciente vai ao médico que lhe prescreve um desses medicamentos para que durma melhor e o quadro se agrava porque a faringe já relaxa naturalmente à noite.A obesidade é outro fator a considerar. Infelizmente, essa região em que podem concentrar-se vários problemas (relaxamento da musculatura, amídalas grandes, recuo da base da língua agravado pela posição do queixo, respiração bucal) também é passível de infiltração gordurosa que aumenta a obstrução da faringe. A natureza não preparou o ser humano para ser obeso. O excesso de peso interfere negativamente sobre o ronco.Além desses, refluxo gastroesofágico, que ocorre mais facilmente à noite, tabagismo e álcool podem irritar a faringe, provocar inchaço e conseqüentemente aumentar a incidência de ronco.
Procura de tratamento médico.
Drauzio – Quem procura mais o médico: o paciente que ronca ou o cônjuge?Bagnato – Em geral, é o cônjuge. Muitos dos grandes roncadores apnéicos, que chegam a fechar completamente a faringe, não percebem o que está acontecendo. Então, os cônjuges os arrastam para o consultório médico. Alguns, porém, se conscientizam do problema porque ouvem o próprio ronco e vão sozinhos. O que mais assusta esses pacientes é a apnéia que os faz despertar sufocados.Muitas esposas dizem – “olhe, meu marido pára de roncar quando eu o cutuco, vira de lado, mas logo depois volta a roncar”. Na verdade, no momento em que a esposa o estimula para virar-se, ele acorda e há uma reativação da musculatura da faringe, o que facilita a passagem do ar. No entanto, quando adormece de novo, a faringe relaxa e ele volta a roncar.Nos casos de apnéia, ele pode acordar por si mesmo porque além da força que faz para respirar, a hipoxemia alerta o cérebro sobre a falta de oxigênio.A esposa relata que o marido pára de respirar e acorda sufocado, mas ele não se lembra desses microdespertares. E não estou falando de 20 episódios por noite. Estou me referindo a 400, 800 microdespertares por noite. Por incrível que pareça, quando se pergunta como esse paciente dormiu à noite, ele responde: “dormi como uma pedra, doutor, não acordei nenhuma vez”.
Drauzio – O ronco gera muitos desajustes?
Bagnato – Muitos pacientes acabam procurando um psiquiatra antes de consultarem um pneumologista ou um médico especialista em sono, porque se sentem tristes, deprimidos e ansiosos durante o dia. Isso acontece porque os incontáveis microdespertares fazem com que seu sono, em vez de profundo e consolidado, seja superficial e multifragmentado e o tributo pago no dia seguinte é pesadíssimo. Além da sonolência, o paciente apresenta déficit cognitivo, memória e concentração comprometidas, impaciência e irritabilidade. Resultado: começa a produzir menos no trabalho e, muitas vezes, perde o emprego. Em casa, os conflitos são evidentes e sua vida se deteriora. Muitos casais acabam até se separando por causa do ronco.
Drauzio – Quer dizer que a apnéia não é simplesmente a falta transitória de oxigênio. Ela pode ter conseqüências perversas.
Bagnato – Perversas principalmente na parte cardíaca. Nosso corpo inteiro foi desenhado para receber uma quantidade determinada de oxigênio. Se o sangue estiver mais empobrecido, é claro que haverá um déficit disseminado pelas células do corpo. O problema maior ocorre com o coração, o grande consumidor de oxigênio e órgão que mais sofre a curto e médio prazo.
Drauzio – Qual foi o pior caso que você encontrou?
Bagnato – A história mais curiosa é a de um paciente que roncava tanto que foi expulso de dentro de casa porque a família e a vizinhança não mais agüentavam seu ronco. Foi dormir na edícula e dessa vez foi o cachorro que se ressentiu: não liga mais para o dono porque não suporta tamanho ruído. Pode parecer paranóia, mas ele acha que o ronco o fez perder a amizade do cachorro.
Drauzio – Como vocês conduzem o caso de um paciente que diz que a família se queixa do seu ronco?
Bagnato – Na abordagem inicial, levanta-se a história do paciente. Vale sempre a pena ter por perto uma testemunha, geralmente a esposa ou um filho, porque na maioria das vezes o paciente não tem consciência do próprio problema. Depois, parte-se para um exame físico cuidadoso. Muitos têm a mandíbula posicionada um pouco para trás; outros, o nariz obstruído ou semi-obstruído o que provoca dificuldade respiratória nasal plena durante a noite e eles respiram pela boca. Além disso, pessoas com pescoço mais grosso e mais curto roncam mais do que aquelas que possuem pescoço mais fino e mais comprido.
Drauzio – Quem ronca mais, o homem ou a mulher?
Bagnato – Um trabalho nosso publicado em 1995, na verdade, a única estatística brasileira existente sobre o ronco, mostra que antes dos 40 anos de idade, 26% dos homens e 9% das mulheres roncam. Depois dos 40 anos, porém, não se sabe se por influência da menopausa ou do aumento de peso corpóreo, o número de mulheres quase triplica e passa para 26%, não muito distante do número de homens que atinge os 36%.
Opções de tratamento
Drauzio – Em que consiste o tratamento dessas pessoas? Você já disse que dormir de barriga para cima é péssimo para quem ronca.
Bagnato – Dormir de lado é sempre melhor. Ensinar o paciente a dormir de lado é o tratamento mais simples e barato que existe.
Basta costurar um bolso nas costas de uma camiseta velha no qual caiba uma bolinha de tênis, que não é muito dura e, portanto, não machuca, mas provoca desconforto suficiente para que o paciente não deite de costas.
Pacientes obesos precisam de uma bolinha maior. Essa medida serve para solucionar casos em que a apnéia ocorre só com a pessoa em decúbito dorsal. Por isso, não pode ser usada indiscriminadamente porque não é solução para todos os casos de apnéia.
O tratamento da apnéia é um assunto polêmico.
O diagnóstico é multidisciplinar, demanda a intervenção de vários profissionais, como otorrinos, neurologistas, cirurgiões de cabeça e pescoço. Às vezes, é preciso remover amídalas e adenóides ou fazer cirurgia para harmonizar a face.
Nem todos os pacientes são pneumopatas que exigem a intervenção de um pneumologista.
No serviço do sono ligado ao Departamento de Pneumologia e Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina
e que já existe há 12 anos,
não aconselhamos, como muitos o fazem, a cirurgia de corte da campainha, um pedacinho pendente que faz parte do palato mole (céu da boca), pois pode ocasionar fibrose.
Muitas vezes, o paciente melhora não porque removeu a campainha, mas porque tirou as amídalas na mesma cirurgia.
Atualmente, o melhor tratamento para a apnéia é o CPAP nasal, uma máscara de silicone com uma ventoinha blindada.
O aparelho acomodado no nariz gera uma pressão positiva transmitida à faringe que se abre para a passagem do ar.
É uma prótese que funciona como ume espécie de bengala para o paciente.
Drauzio – O CPAP custa caro?
Bagnato – O preço no mercado brasileiro varia entre US$500 e US$900. Anos atrás custava em torno de US$ 2.500, US$3.000. Ainda é caro, mas barateou bastante em relação ao preço anterior e não existe produto similar fabricado no Brasil. Atualmente, a máquina diminuiu de tamanho e as máscaras ficaram mais silenciosas. Muitos pacientes vão abandonando o CPAP paulatinamente quando tratam a doença que deu origem à apnéia. Outros o usam ad aeternum. O importante é que o uso do aparelho afasta o risco de problemas cardiovasculares, melhora o ronco e a pressão arterial.
Drauzio – Existe tratamento para os casos de apnéia ou para o roncador sem apnéia?
Bagnato –Para pessoas que padecem com o ronco pode-se indicar uma prótese intra-oral, aparelhinho móvel que se coloca à noite para dormir. O bom aparelho deve manter a boca fechada e a base da língua projetada um pouco para frente e favorecer a mobilidade lateral para não forçar a ATM (articulação temporomandibular). Por isso, um dentista com experiência no assunto deve avaliar se não existe contra-indicação e se a arcada dentária suporta o uso do aparelho.
Drauzio – Custa caro esse aparelho?
Bagnato – O aparelho feito no Brasil custa mais ou menos R$400,00. O melhor aparelho, infelizmente, moldado no Brasil e fundido no exterior, custa o dobro do preço, mas permite certa mobilidade da mandíbula e traz a base da língua para frente.
Drauzio – Esse aparelho reduz o ronco ou o elimina definitivamente?
Bagnato – Em muitos pacientes o ronco desaparece definitivamente porque o aparelho mantém a boca fechada e traz a língua para frente. É um tratamento para apnéias leves. Grandes apnéicos precisam começar usando o CPAP. Só depois de saírem da faixa de perigo iminente, é possível introduzir outras opções de tratamento.
Orientação aos roncadores leves
Drauzio – Como você orienta os roncadores leves sobre a higiene do sono?
Bagnato - Há situações em que uma pequena cirurgia ou cauterização pode resolver um problema de obstrução nasal como um pólipo, por exemplo.
É preciso também estar atento ao tamanho das amídalas, especialmente nas crianças, e cuidar da respiração infantil.
Adultos obesos devem perder peso e consultar um endocrinologista sobre a possibilidade de algum problema hormonal ou de tireóide estar interferindo.
Existem, porém, algumas condutas fáceis de seguir em casa.
A posição da pessoa na cama é fundamental.
Dormir de lado pode ajudar muito a reverter o ronco de milhares de pessoas. Com já citei, uma bolinha de tênis colocada no bolso costurado nas costas de uma camiseta pode harmonizar um casal.
Outra orientação importante é evitar bebidas alcoólicas e o uso indiscriminado de diazepínicos que relaxam a faringe.
Pacientes com refluxo gastroesofágico devem procurar um gastroenterologista, porque o refluxo pode agir sobre a apnéia, uma patologia que requer tratamento multidisciplinar.
Eu queria divulgar que na Escola Paulista de Medicina,
no balcão 11 da Pneumologia,
há doze anos funciona um ambulatório,
onde trabalho às segundas-feiras com médicos que fazem pós-graduação, no atendimento gratuito a pacientes com problemas de sono.
Tem fila, o exame demora um pouco, mas todos são atendidos.
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